terça-feira, 3 de agosto de 2010

Diário

Então eu acordei, senti a claridade penetrando meus olhos como a beija-los, me dando bom dia. Estiquei meus braços o máximo que pude até sentir aquele espasmo mostrando-me os limites. Depois as pernas, os pés e então de fato abri meus olhos, analisando o meu redor. Primeiro o vazio do teto branco que vai sendo preenchido a medida que os olhos movimentam-se pelo quarto iluminado por uma porta de vidro. A claridade adentra lutando contra a cortina branca translucida, tentando supera-la. Começo a pensar em quantas pessoas ja hospedaram-se naquele quarto de hotel. Quem seriam, como seriam, a que vinham. Devaneios, apenas, de quem ainda não estava completamente acordado. Finalmente levantei-me, olhei minha cara amassada através do espelho e soltei meia duzia de xingamentos pelas olheiras que me irritam. Ainda sentia-me cansado. Depois do ritual matinal saí do meu quarto em direção ao elevador. Um corredor bem iluminado, com um carpete que gritava a tentativa de ser algo "chique". Talvez fosse, não sei, não entendo de carpetes. O elevador era rapido demais, sempre saía dele com enjoos e com a sensação de pressão nos ouvidos. O lobby era extremamente requintado. As pessoas até faziam mais pose para poder combinar com o ambiente. Porém os atendentes eram todos muito educados e simpaticos, dificil de acontecer em locais como aquele. Cheguei então ao restaurante onde era servido o café da manhã. Primeiro você dava o número do seu quarto ao recepcionista e ele então te levava a uma mesa. A ressaca era grande, decidi apenas por uma xicara de café preto e uma torrada com mel. Adocei meu café, aquele cheiro queimado entrando dentro de mim e lavando a ressaca me fez parar. Gastei um bom tempo ali. Então assoprei-o como uma criança faz e provei. Perfeito. Um pouco fraco talvez, mas eu não podia exigir muito, era um hotel. Com cuidado abri o pequeno pote de mel. Derramei metade sobre a torrada, mas ainda era pouco. Coloquei um pouco mais, queria adoçar a boca amarga lembrando a pessima noite que havia tido. Com a faca espalhei o mel. Ah, aquele som me faz tão bem. O metal arranhando o pão queimado e o brilho do mel cobrindo-o é simplesmente irresistivel. Apaixonante. Eu poderia perder mais horas ali apenas ouvindo aquele som e vivendo aquele momento tão irreal. As pessoas iam e vinham ao meu redor e parecia apenas que o tempo havia parado pra mim. Ao terminar levantei-me e segui calmo até o lobby. Peguei um jornal, apenas folheei como quem nao quer nada. Nenhuma noticia chamava minha atenção, eu queria mesmo sair pela cidade, conhece-la no seu intimo, mas estava ali preso, confinado, como peixe em aquario. Olhava a rua por sob o jornal como criança prestes a aprontar traquinagens. Eu queria sair, mas tinha a merda da reunião de trabalho. Fiquei ali, sentado, observando o fluxo, analisando as cenas como espectador. E me perdi nos risos das moças bonitas que chegavam após o exercício matinal, na criança lambusada de chocolate e na mãe tão gentil limpando-a, no senhor bem idoso ao meu lado que cochilava e foi acordado pelos netos pulando em seu colo. Senti saudade da minha familia. Saudade do tempo em que eu era livre. De que adiantava viajar tanto e conhecer apenas hotéis? Ficar longe daqueles que me importam. O salário era bom, mas a vida nem tanto, não havia tempo para aproveita-lo.


Depois de uma breve pausa levantei-me e saí.